sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A fortuna



Com uma raça tão pobre e cheia de necessidades, não surpreende que a riqueza seja estimada, e até venerada, mais intensa e sinceramente que qualquer outra coisa, e mesmo o poder não é considerado senão como um meio para atingir a fortuna. Não nos surpreende tampouco ver os homens porem de lado ou passarem por cima de qualquer outra consideração quando se trata de adquirir riquezas, por exemplo, quando vemos os próprios professores de filosofia se aproveitarem da filosofia para enriquecer.


Os homens são frequentemente acusados por seus desejos dirigirem-se principalmente ao dinheiro e por o amarem acima de tudo. Não obstante, é muito natural, e mesmo inevitável, amar aquilo que, como um Proteu infatigável, a qualquer momento está pronto a tomar a forma do objeto atual de nossos desejos

cambiantes ou de nossas necessidades tão diversas. Isso porque qualquer outro bem não pode satisfazer mais que um só desejo, mais que uma só necessidade; por exemplo, os alimentos não valem senão para aquele que tem fome, o vinho para aquele que está sóbrio, os medicamentos para o enfermo, um cobertor durante o inverno, as mulheres para a juventude etc. Todas essas coisas são boas apenas para um propósito específico, isto é, são relativamente boas. Apenas o dinheiro é o bem absoluto, porque não satisfaz uma única necessidade in concreto, senão a necessidade em geral, in abstracto.

A fortuna disponível deve ser considerada como um baluarte contra o grande número de males e desgraças que podem suceder. Não devemos considerá-la como uma permissão e ainda menos como uma obrigação de ter que buscar os prazeres do mundo. As pessoas que, sem terem fortuna patrimonial, chegam por seu talento a porem-se em condições de ganhar muito dinheiro quase sempre são vítimas da ilusão de acreditar que seu talento é um capital permanente e que o dinheiro que esse talento produz é, por conseguinte, o interesse capital. Assim, não reservam nada daquilo que ganham para consolidar um capital duradouro, mas gastam na mesma medida em que ganham. Segue-se que, comumente, caem na pobreza quando seus ganhos diminuem ou cessam por completo, porque seu próprio talento, passageiro por natureza, por exemplo, o talento para quase todas as belas artes, se esgota, ou bem as circunstâncias especiais que lhe faziam produtivo desaparecem. Alguns artesãos podem, de fato, levar essa existência, porque as capacidades exigidas para seu ofício não se perdem facilmente ou podem ser supridas pelo trabalho de seus obreiros, ademais, seus produtos são objetos de necessidade, cuja demanda está sempre assegurada; um provérbio alemão diz com razão Ein Handwerk hat einen goldenen Boden [um trabalho manual vale como ouro].

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